Dois casos de morte súbita durante competições de triatlon, um deles  nadando e outro correndo, num espaço de apenas 14 dias e no mesmo local,  um condomínio de luxo próximo a Belo Horizonte, levam a cíclicas  conjecturas sempre que isto acontece: até que ponto os exercícios são  benéficos, e a partir de que ponto se tornam um excesso e um risco? Onde  está o limite entre prevenir doença e provocar doença?
Desde que na década de 50 ficou demonstrado em Londres que os  trocadores dos ônibus de dois andares, que trabalhavam subindo e  descendo escadas, tinham melhor saúde cardiovascular que os respectivos  motoristas que ficavam apenas sentados dirigindo,e que o mesmo ocorria  com os carteiros comparados com seus colegas dos correios que eram  funcionários administrativos sedentários,evidências dos benefícios da  atividade física regular têm se mostrado crescentes e inequívocas.
A atividade física tem sido prescrita para os adultos urbanos não  atletas, de vida sedentária (mais de 70% dos moradores das cidades  brasileiras) como parte de hábitos de vida considerados saudáveis.  Melhora os níveis de pressão arterial, da glicose e dos lípides do  sangue, ajuda a perder peso e combate a depressão, dentre vários outros  benefícios que levam seu praticante a ter melhor qualidade de vida, e  também a prolongar seu tempo de vida.
Para se obter estas vantagens, os limites mínimo e máximo seriam os seguintes:
Já se perde o rótulo de sedentário com um mínimo de 700 calorias gastas  por semana em atividade física. Para um homem de 70 kg, e usando como  exemplo o mais universal dos exercícios que é a caminhada, seria andar  em meia hora a distância de 2,5 kilômetros, três vezes por semana. Não é  grande coisa, mas já dá pra sair da turma dos Homer Simpsons.
A partir daí os benefícios seriam crescentes, até um limite máximo de  2000 calorias gastas em atividade física por semana, o que se consegue  percorrendo a pé 30 kilômetros por semana, divididos em 5 a 6 dias.  (exemplo: andar 5 a 6 kilômetros em 60 minutos ou correr a mesma  distância em 30 minutos). A partir daí não haveria benefício extra em  termos de melhor saúde cardiovascular. Para os já referidos adultos  urbanos não atletas seria o máximo necessário e suficiente.
Quem quer passar disto é porque tem outros interesses adicionais, como  melhor condicionamento para poder participar de esportes aeróbicos e  competitivos, por exemplo. Mais pelo gosto do que pela necessidade. Sem  perder de vista os riscos decorrentes dos extremos : contusões e  estiramentos, microfraturas de stress, e a temida morte súbita cardíaca.
O risco de morte súbita cardíaca em maratonas é de 0,8 para 100 000  participantes. No triatlon, é quase o dobro, de 1,5 para 100 000  participantes. Estes dados, recém apresentados no Congresso do Colégio  Americano de Cardiologia de 2009, mostram dois detalhes surpreendentes:  não houve diferenças no índice de mortes nos mais variados “tamanhos” de  triatlon, cujas provas têm inúmeras combinações de distâncias de  percurso. E a maioria absoluta (13 casos em 14) das mortes ocorridas na  série apresentada nos EUA, que abrangeu um período de quase 3 anos,  ocorreu na fase de natação da prova.
A morte súbita cardíaca em competições pode ocorrer tanto em atletas  bem treinados quanto em “weekend warriors” como são chamados em língua  inglesa aqueles atletas de fim de semana. Entretanto, foram observadas  em desfavor destes últimos alterações preocupantes na função ventricular  ao ecocardiograma e nos níveis sanguineos de troponina, um marcador de  necrose do músculo cardíaco, logo após o término de uma maratona. Um  estudo feito assim que participantes amadores cruzavam a linha de  chegada da maratona de Boston, mostrou níveis de troponina tão elevados  quanto os que os serviços de urgência em cardiologia consideram para  diagnosticar infarto do miocárdio. Outro estudo confirmou achados  semelhantes.
Na faixa etária acima de 50 anos, em 108 maratonistas “recreacionais”  (não-profissionais) aparentemente saudáveis, e com testes funcionais  normais, 4 tinham calcificações coronárias e tiveram eventos cardíacos  nos 3 anos seguintes.
Mesmo considerando indivíduos jovens, abaixo de 35 anos, podem ser  observadas mortes súbitas durante competições esportivas, como os mais  de mil casos (1 101 para ser exato) coletados pelo COI (Comitê Olímpico  Internacional) num período de 38 anos, apenas nesta faixa etária.  Destaque-se porém que em todos estes casos foi diagnosticado ( na  maioria infelizmente o diagnóstico era post-mortem, na necropsia) algum  problema cardíaco, seja congênito ou adquirido, nestes últimos podendo  ser crônico ou agudo, incluídos distúrbios degenerativos e  inflamatórios.
Os atletas de elite, além de dedicarem todo o seu tempo profissional ao  treinamento, têm equipes estruturadas capazes de diagnosticar problemas  não só numa única avaliação pré-participação, mas em exames seriados ao  longo da carreira do atleta. Além disto, têm toda uma estrutura de  profissionais de apoio, que dosam judiciosamente a qualidade e a  quantidade de cada caloria que eles ingerem, dentre outros inúmeros  cuidados. Não sofrem pressões do dia a dia do trabalho burocrático, não  fumam ou bebem, dormem cedo, etc, etc, Tal não sói acontecer com os  “não-elite”, ou amadores, que se arvoram em participar de maratonas e  triatlons, competições estas que a meu ver deveriam ser reservadas aos  atletas de “elite”. Aliás, estabeleci um limite de segurança para os  meus pacientes não atletas profissionais: se tudo estiver bem nos  exames,e após treinamento e acompanhamento adequados, libero para o  limite máximo de meia maratona. Certa ocasião, cheguei a ponto de  convencer um destes guerreiros a desistir da maratona de Berlim, com a  inscrição já paga!
Portanto, na atividade física, assim como em tudo na vida, a virtude  está no meio, e só se tem a ganhar evitando-se os exageros.
Dr. José Pedro Jorge Filho é Médico Cardiologista
Texto original: http://www.brasilmedicina.com.br/noticias/_check_printnot.asp?Cod=1841&Area=1
Informações de sítios em inglês dão conta de que a pesquisa sobre a troponina foi realizada nas maratonas de Boston de 2004 e 2005 por uma equipe chefiada pelo médico Tomas Neilan.
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