Por Eduardo Bettega
Uma dúvida muito comum a quem se dedica a estudar a maçonaria é definir o que é obra da Ordem e o que é mito criado pela ignorância. O processo que levou à independência do Brasil é um interessante exemplo que ajuda a entender como se dá a participação da maçonaria nos movimentos libertários.
A separação entre as duas nações começou a se desenhar no dia 9 de dezembro de 1821, quando o governo português exigiu a volta de Dom Pedro para a Europa. Ao receber a ordem, imaginando que não haveria mais o que fazer, o príncipe chegou a rascunhar o documento de despedida aos brasileiros.
A pronta reação dos patriotas, no entanto, mudou essa disposição. Em 1º de janeiro de 1822, Dom Pedro recebeu uma carta, inspirada por José Bonifácio, em que o governo de São Paulo lhe dava o mais amplo apoio. Satisfeito com o conteúdo, ele fez publicar o texto na edição de 8 de janeiro do jornal Gazeta do Rio. Assim, em dia 9 de janeiro, Dom Pedro estava confiante para declarar o Dia do Fico, quando recebeu do presidente do Senado o Manifesto Fluminense, um abaixo-assinado em que oito mil participantes pediam a sua permanência, realizado a partir da iniciativa do grupo maçônico do Rio de Janeiro, reunido na loja Comércio e Artes.
Em 17 de janeiro, José Bonifácio, presente à comitiva de paulistas que foi ao Rio de Janeiro dar apoio pessoal a Dom Pedro, foi convidado a ser ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros, se tornando o primeiro brasileiro a ocupar cargo no ministério real.
Em 13 de maio de 1822, dia habitual de beija-mão por ser o aniversário do rei Dom João VI, por iniciativa da loja Comércio e Artes, onde atuava o maçom mais destacado da época, Joaquim Gonçalves Ledo, Dom Pedro recebeu das mãos do Presidente do Senado o título de “Defensor Perpétuo do Brasil”.
A disposição da Ordem em apoiar Dom Pedro não passou despercebida e em 26 de maio José Bonifácio aceitou o convite e foi iniciado maçom.
Em 17 de junho, com a divisão em três da loja Comércio e Artes foi criado o Grande Oriente do Brasil. Apesar de ser recente como maçom, tendo sido iniciado menos de um mês antes, José Bonifácio foi elevado a mestre e assumiu a potência como seu primeiro Grão-Mestre.
Em 2 de agosto, Dom Pedro foi iniciado maçom. Em seu caso, como já tinha acontecido com Bonifácio, foi cancelado o prazo habitual, que hoje é de ao menos 1 ano e meio, e três dias depois, em 5 de agosto, ele foi elevado a mestre.
A partir daí a história se realizou. Em 7 de setembro Dom Pedro proclamou a independência do Brasil e em 14 de setembro foi empossado Grão-Mestre do Oriente do Brasil.
Nem tudo, porém, eram flores. Sentindo que havia problemas com os “irmãos”, que é como os maçons se chamam, em 4 de outubro Dom Pedro testou a lealdade de Joaquim Gonçalves Ledo ao ideário da realeza lhe oferecendo o título de marquês da Praia Grande, mas a honraria foi recusada.
Em 12 de outubro a divergência se tornou evidente. No dia do aniversário de Dom Pedro, o grupo de Gonçalves Ledo criou a cerimônia em que ele seria declarado o imperador constitucional do Brasil, com o detalhe de que deveria jurar obediência à constituição que ainda estava por ser escrita. José Bonifácio, porém, se insurgiu contra a providência e a festa aconteceu sem esse juramento.
Como consequência, veio a ruptura. Em 21 de outubro Dom Pedro determinou a suspenção das atividades maçônicas e no dia 25 proibiu a maçonaria no Brasil. Nesse dia, ainda insatisfeito com as medidas, Bonifácio demitiu-se do governo. No dia 30, quando Dom Pedro mandou prender vários maçons, tendo Gonçalves Ledo fugido para a Argentina, Bonifácio voltou a seu cargo.
O que aconteceu? Gonçalves Ledo se aproximou de Dom Pedro dando o apoio para que ele declarasse a independência, mas como pertencia ao partido Radical Liberal, que representava a pequena burguesia, ele era republicano, ou seja, seu desejo era enfraquecer para tornar decorativo o novo rei.
Já Bonifácio, filho de uma rica família de Santos, no litoral de São Paulo, depois de formado em Lisboa, passou 30 anos trabalhando na Europa. Em sua visão de mundo, via boa vontade, mas incapacidade nos patriotas brasileiros. Ele desejava o rei fortalecido para fazer as reformas que apresentou em 1821, durante seu mandato como deputado brasileiro na Assembleia de Lisboa: acabar com o latifúndio, abolir a escravatura, levar a população a ocupar o interior do país, incentivar a industrialização e criar escolas para a educação universal no Brasil.
O grupo de Ledo certamente concordaria com cada um dos itens, mas preferiu se bater por aumentar o poder do povo e diminuir a força do rei. A atitude foi muito apreciada, por outros motivos, pela elite rural, que buscava manter na nova estrutura os benefícios de que desfrutara no sistema colonial.
O resultado da briga foi catastrófico: ela enfraqueceu a posição de Bonifácio que, a partir de uma questiúncula estadual, acabou demitido em 1823.
O que veio a seguir foi o caos. Sem rumo para suas ações, o jovem rei perdeu a “ambição de ser guardado pelo amor do povo e pela fidelidade das tropas”, seu intuito segundo o historiador Manuel de Oliveira Lima no livro ‘O Império Brasileiro’, fechou a Assembleia Nacional Constituinte, promulgou em 1824 a sua constituição e passou a se utilizar de atos de exceção para governar.
A aventura de Dom Pedro no Brasil começou definitivamente a ruir em 1825 quando, insuflada pelos argentinos, a Província Cisplatina proclamou a independência. Apesar de o país ter meios para facilmente vencer a disputa, Dom Pedro foi abandonado pela elite rural, que lhe negou armas e homens, e em 1828 perdeu a guerra, e com ela o respeito do povo. Depois de mais 3 anos de governo errático, em 1831 ele abdicou ao trono para ir guerrear em Portugal, para devolver à filha o trono usurpado pelo irmão dele. Após a vitória, em 1834, Dom Pedro faleceu de tuberculose, adquirida nos campos de batalha.
No Brasil, a maçonaria só voltaria a ser praticada após a sua abdicação, em 1831, sendo José Bonifácio reconduzido ao cargo de Grão-Mestre.
A história, pouco edificante, demonstra que há limites que, uma vez ultrapassados, tornam a maçonaria lesiva ao que há de mais caro a ela própria, que é a defesa do bem da pátria e da humanidade.
A perda foi imensa. Mas reversível. Um dia, tudo será feito de sorrisos no mundo inteiro. Nesse momento, será possível dizer que a maçonaria finalmente realizou por completo a sua obra.
Eduardo Bettega
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